terça-feira, 1 de setembro de 2020

Setembro - Adélia Prado

Alguns meses são especiais, mas setembro sempre teve um ar de renovação e de mudança na minha vida. Mudança de casa, de cidade e de país. Novos projetos e jornadas sempre iniciaram em setembro. 
No hemisfério norte, mais precisamente em Portugal, é um novo ano mesmo que se inicia. Dizemos até que há um ano novo em 1 de setembro (como se fosse o 1 de janeiro, pelo menos algumas amigas brincam que é). Em geral, é o mês do fim das férias, do início do ano letivo e muitos projectos, é o outono a chegar.
Já no Brasil, é o belíssimo início da primavera, da estação das flores, de todos os encantamentos que trazem esta estação.
Como vivo as duas estações  e os dois países intensamente, sinto ainda mais o desejo de iniciar setembro de forma leve e poética, para poder atravessar o momento presente.
Trago a sublime poeta mineira Adélia Prado.

 Meditação à beira de um poema - Adélia Prado
Podei a roseira no momento certo
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira,
constelada,
os botões,
alguns já com o rosa-pálido
espiando entre as sépalas,
jóias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizaram-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas, perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.

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