terça-feira, 1 de novembro de 2011

Trabalho com sotaque

Andei desaparecida do blog MUITO TRABALHO graças à Deus.

É bem interessante a matéria abaixo, aproveito para partilhar.

Retirado na íntegra do site: Canal RH http://www.canalrh.com.br/

Trabalho com sotaque

por Julio Caldeira Ano 2011 - Nº 82 - maio / 2011

Marc Emmanuel Pascal Roger Verwaerde é um francês de sobrenome complicado, sotaque engraçado, 28 anos e morador do “centrão” de São Paulo, onde divide um apartamento com a mulher, também francesa. Desde 2010, Marc trabalha como gerente comercial numa agência de comunicação “100% brasileira” – como faz questão de ressaltar – e tem sob seu comando um time de vendedores brasileiros. Diferenças culturais no dia a dia da empresa? “Não, na verdade”, responde. “Meu departamento é muito racional, baseia-se em retornos de investimentos, melhor desempenho em vendas. Por isso meu relacionamento com a equipe também é muito racional.” E antes que alguém diga que isso seria “muito francês” de sua parte, Marc se defende: “Acho que é mais uma questão do mundo dos negócios do que cultural.”

Adepto do transporte público, o francês vive o cotidiano da cidade – seus problemas, seu trânsito e suas vantagens – como qualquer paulistano. A não ser por uma diferença: Marc tem “prazo de validade”. Ou melhor, seu visto tem. Desde que um dos sócios da agência, um francês naturalizado brasileiro, o convidou para assumir a vaga de gerente, as regras por parte do governo brasileiro foram claras: visto com vinculo empregatício de dois anos, renováveis por mais dois, e só depois disso seria hora de pensar na autorização permanente. “O temporário era o de acesso mais fácil num primeiro momento”, explica Marc. “Para conseguir o permanente [como primeira opção] você tem de investir um montante elevado no Brasil ou ter algum vínculo de família com o país.”
Ou seja, trocar Paris por São Paulo – sim, tem gente que quer – não é tão mais fácil do que o contrário. Por isso, “cerca de 90% dos vistos concedidos pela nossa lei são temporários”, informa o advogado Antonio Cândido França Ribeiro, sócio da Overseas Consultoria, especializada em expatriação. “A imprensa geralmente divulga os números de vistos concedidos, mas não fala que a maior parte deles é temporária. Ou melhor, que cada autorização dessas não quer dizer que a pessoa está efetivamente imigrando para o Brasil, vindo de mala e cuia, para nunca mais ir embora.”

Muita calma nessa hora...

Segundo dados do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), de janeiro a setembro de 2010, foram concedidos 39.057 vistos de trabalho a estrangeiros. Desses, 1.993 foram permanentes. No entanto, de acordo com Cândido, mesmo esse número seria equivalente a processos que antes passaram pelos quatro anos do estágio temporário – no qual está nosso amigo Marc. “A própria natureza desse tipo de autorização no Brasil é de caráter temporário”, esclarece Cândido. “Primeiro por dois anos, prorrogáveis por mais dois e depois se transforma [passa para permanente].”

De acordo com o advogado, ao final dos dois primeiros anos, o governo analisa se tudo o que foi previsto no processo foi cumprido, “isto é, se realmente o salário proposto foi pago, se os encargos foram pagos”, exemplifica. Em seguida, ocorre a prorrogação. Ao final dos quatro anos, somente após uma nova montanha de papéis, carimbos e comprovações é que o “candidato a brasileiro” poderá morar e trabalhar permanentemente aqui... Ou não. “Se você for ver na Constituição e na abertura da Lei do Estrangeiro, lá está claro que esses processos são analisados de acordo com o interesse nacional”, retoma o consultor, dizendo ainda que, à primeira vista, a burocracia assusta. “E, realmente, é preciso justificar tudo e qualificar o pedido para que o CNIg dê uma diretriz ao processo e tome suas resoluções.”

Para 2011

Para o advogado e consultor Antonio Cândido, os setores de telecomunicações e construção civil também aparecem entre os que mais demandam mão de obra especializada estrangeira. Quanto aos países de onde vêm esses profissionais, os Estados Unidos encabeçam a lista de 2010 do CNIg, com 5.891 estrangeiros. Em seguida aparecem as Filipinas, com 4.113 pessoas. A China ocupa o sexto lugar, com 1.782, atrás da Índia, com 2.112. “Quem dita isso é a economia [de cada país]”, comenta Cândido. “Se a filial brasileira de alguma multinacional está a todo vapor, com um desempenho melhor do que a matriz, muitas vezes a empresa acaba transferindo alguém de lá para cá, para não mandar embora, e absorve aqui temporariamente.”

No que diz respeito às previsões para 2011, Cândido afirma que os números devem ser parecidos com os do ano passado. “Mais do que isso só se explodir tudo lá fora”, afirma. “Os números de vinda de estrangeiros estão mais ou menos condizentes com os investimentos feitos.” Opinião da qual compartilha Paulo Sérgio de Almeida: “Em 2010, tivemos um volume de investimento estrangeiro muito grande no país – investimento produtivo, não no mercado financeiro”, analisa. “Em 2011, acreditamos que a curva siga o mesmo ritmo desse volume.”

Que país é este?

Uma vez aqui, os estrangeiros têm de lidar com impasses de natureza cultural. Afinal, por mais globalizado que esteja o mercado – e as culturas internas das empresas sejam as mesmas em todos os cantos do mundo onde elas estejam –, nós estamos longe de ter o comportamento reservado do japonês ou a fleuma do alemão. “Realmente, todo mundo dá uma pequena relaxada no Brasil”, aponta Cândido. “No começo se estranha um pouco aquele jeitinho do brasileiro de ‘passa amanhã que talvez esteja pronto’ e daí não está.” No entanto, o francês Marc Verwaerde afirma que, na França, o tempo que se perde ainda é maior. O que dificultava sua adaptação aos ambientes de trabalho em seu próprio país. “Qualquer funcionário na França espera mais do que tenta para conseguir as coisas por ele mesmo”, afirma. “Ele vai trabalhar o mínimo de horas de que precisa, porque está escrito na lei que ele tem direito a isso e reclama muito, o que às vezes é justo, mas muitas vezes é para ganhar tempo.” Para Marc, aqui no Brasil “quem quer vencer na vida segue em frente”, o que torna o brasileiro muito mais “agilizado”, como se diz. “Aqui não se não espera nada dos órgãos públicos, nada da lei, para tomar conta da própria vida”, observa. “Por isso eu acho que o ambiente de trabalho no Brasil é muito mais interessante.”

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