Muitos têm uma ideia romântica sobre ser transferido para outro país a trabalho. Sinal de uma carreira em franco crescimento? Oportunidade de exercitar as habilidades em outros idiomas e culturas? Chance de se tornar um cidadão do mundo? Pode até ser. Mas o que muitos esquecem é que as diferenças culturais podem dar mais trabalho do que a própria função a ser desempenhada.
As relações interpessoais, os costumes, a comida, enfim, a cultura como um todo pode se transformar numa desagradável surpresa se o profissional não levar na bagagem as informações certas. “A gente vê muitos casos de pessoas que estão no exterior pedindo para voltar mais cedo porque não estão suportando”, revela o professor Carlos Tasso de Aquino, especialista em gestão transcultural e diretor dos Programas Acadêmicos da Schiller International University, nos Estados Unidos. “E quem está aqui fica dizendo: ‘Mas que coisa engraçada, o sujeito está ganhando mais, está num país bacana!’ Mas a gente precisa diferenciar o que é fazer turismo num país e o que é viver nele.”
Viver e trabalhar num país estrangeiro é um grande desafio. E os diversos desdobramentos disso, traduzidos nas exigências do dia a dia, merecem atenção especial, uma vez que uma gafe corporativa de natureza cultural pode, segundo de Aquino, acabar com um negócio. “Quantas vezes a gente não vê isso”, revela o professor. “O brasileiro é um povo muito efusivo na socialização. Então você chega querendo beijar e abraçar todo mundo – porque isso é normal aqui –, mas se for uma pessoa de uma cultura mais fechada, mais tradicional, isso pode ser visto até como assédio.”
O especialista explica que entre os casos recorrentes que já ouviu de executivos estão a diferença na hora de fechar negócios e os problemas com o sistema financeiro do novo país. “Por exemplo, se você vai para o Japão, mesmo que a pessoa queira lhe dizer não, ela não lhe diz, porque culturalmente é incorreto”, conta de Aquino. “Então ela vai lhe circundar, e você pode perder um tempo preciosos com isso.”
Ao passo que, segundo o professor, uma cultura pragmática como a norte-americana pode assustar os sociáveis latino-americanos. “Os norte-americanos querem atropelar as coisas”, analisa. “E a cultura latina demanda que você tenha um lado social mais forte. É preciso compreender tudo isso, só que infelizmente a maioria de nós só aprende com a experiência.”
Os choques culturais também atingem a vida privada. “Você não consegue dissociar as duas coisas” em situações como essa, afirma o especialista. “Nos Estados Unidos, por exemplo, não importa o quão bem você ganhe, os bancos não te dão crédito se você não tiver um histórico, ou seja, se você não tiver comprado a prazo antes”, explica de Aquino. “Eu mesmo nos Estados Unidos peguei a prazo um carro que eu poderia ter comprado a vista simplesmente para gerar esse histórico. Agora imagine você recém-chegado num país estranho, querendo mobiliar sua casa ou simplesmente não querendo andar dinheiro pela rua, mas não consegue crédito.”
Para a chinesa Linda Jia Shi, graduada em um MBA nos Estados Unidos e atualmente participando de processos seletivos para trabalhar na Flórida, as questões financeiras não foram as que mais lhe causaram problemas, e sim as diferenças de costumes entre sua terra natal e o Ocidente. “Eu me lembro de quando minha mãe veio me visitar, enquanto eu ainda estudava”, conta a bem humorada Linda. “Ela teve a chance de conhecer alguns dos meus amigos, todos jovens. Certa vez, enquanto jantávamos, uma amiga fez uma piada sobre seus pais. Isso não é nada demais aqui nos Estados Unidos, mas aos olhos de minha mãe, essa minha amiga estava desrespeitando os pais dela e ofendendo toda a sua família. Na China, as crianças e jovens não devem fazer piadas sobre seus pais.”
Linda conta ainda começou a se sentir adaptada quando parou de se sentir incomodada ao abraçar e beijar os amigos no rosto quando os encontrava. “E também quando comecei a fazer comida americana em casa”, brinca. “Aí eu soube que estava me adaptando.”
Vazio social
Para o brasileiro Paulo Roberto Tavares, que atua na área de tecnologia da informação em Nova York, onde mora com a mulher Adriana o filho Eduardo, o mais difícil foi o “processo de imigração”, como define. “Conseguir a cidadania foi uma luta”, conta. “Com idas e vindas aos órgãos responsáveis e os maus tratos por parte dos funcionários.”
O profissional conta que durante cinco anos, a incerteza sobre se teria ou não sua residência garantida atrapalhou qualquer plano de futuro, e que, nesse período, toda a sua vida familiar ficou dependendo de seu emprego. Se fosse demitido, todo o resto ruiria. “Foi um período em que nos sentíamos um povo inferior”, se lembra.
No entanto, mesmo com a estabilidade trazida com o visto permanente, o Green Card, conseguido em 2002, as dificuldades trazidas pelas diferenças culturais não encontraram seu fim. “Apesar de aliviados, sempre rolou um vazio social”, desabafa Paulo. “Nunca tivemos um grande círculo de amigos. Brasileiros são muitos por aqui, mas difícil era encontrar brasileiros com objetivos comuns.”
Já sobre se relacionar com os “donos da casa”, ou seja, os norte-americanos, Paulo é categórico: “Quase zero. Aqui é o único lugar no mundo que o futebol se chama soccer, e os esportes que eles gostam eu nunca gostei. Só aí já ficava difícil conversar muito, pois esportes são grande parte da vida dos americanos.”
Como amenizar os choques culturais
Para o professor Carlos Tasso de Aquino, grande parte da ajuda que um profissional transferido para outro país pode receber deve vir justamente da empresa que o está mandando para outro país – e mais especificamente, do departamento de recursos humanos da organização. “Eu acho que o RH deveria se preocupar mais com a preparação das pessoas para a cultura do que propriamente com os benefícios – seguro, salário etc.”, analisa de Aquino. “Isso tudo é importante, claro, mas é preciso também contextualizar as pessoas a respeito do país para o qual elas vão.”
Segundo o especialista, quando essa etapa do processo é ignorada, todos perdem. “Se isso não for feito, um executivo, um funcionário, que foi remanejado em função do seu desempenho no seu local de origem – e cria-se então uma expectativa para que ele repita essa performance no exterior –, não vai apresentar esses resultados. Ou seja, todo um investimento de mandar uma pessoa para fora é perdido.
Por outro lado, o professor ressalta que há lição de casa também para o profissional que vai enfrentar uma nova realidade. “Às vezes as pessoas ficam tão inebriadas por terem sido escolhidas, que pensam que podem enfrentar tudo naturalmente, acham que são super-homens, supermulheres”, analisa Aquino.
No frigir dos ovos, o que fica é a boa e velha informação. “Existem hoje algumas instituições que publicam documentos que sintetizam as culturas de outros países”, recomenda o professor.